sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Voto em Gabriela Leite, 4301, por questões de linguagem e de desejo

Ontem recebi o texto abaixo de meu quase-filho Rafael Cesar. Filho de Flavio, meu companheiro, Rafael é um grande orgulho em minha vida. Em homenagem a esse menino (quase-mãe é igual a mãe sempre acha que o filho é um menino) inauguro meu blog com suas lindas palavras.


Como não poderia deixar de ser, o trocadilho maior das eleições de 2010 é o de uma prostituta candidata a deputada federal. Gabriela Leite, concorrendo pelo PV com o número 4301, já está aparecendo em jornais e conversas como uma “puta candidata” à câmara. Este trocadilho, que ainda há de inspirar muitos mais (trocadilhos e candidatos), me lembra que o laço que o compromisso que eu já possuía com sua candidatura se fortalece ainda mais com este irreverente aspecto da linguagem.

Ocorre que o termo "puta", como adjetivo usado para enfatizar a qualificação positiva de algo ("uma puta festa", "um puta cara"), diferente da "puta" substantivo ("a puta da esquina"), tem sua etimologia em uma língua africana, provavelmente o quicongo. Neste IDIOMA – não é dialeto, por favor – há o termo "mbuta", usado para se referir a alguém notável, o/a melhor em algo. Está tudo lá, no Novo Dicionário Banto do Brasil, do Nei Lopes.

O estudo das etimologias, entretanto, nem sempre trata de algo exato e comprovável. Por isso tais raízes vocabulares são chamadas de “propostas” etimológicas. Porque, de fato, trata-se de uma sugestão, por assim dizer. Comparam-se palavras, usos; verificam-se transformações mais ou menos recorrentes para se estabelecerem regras na evolução da língua, e assim por diante. Juntando as peças todas à disposição, propõe-se que a etimologia de uma palavra seja de tal língua, ou tal situação. O próprio Nei Lopes desconstruiu muitas propostas etimológicas, feitas à época em que as línguas africanas não tinham qualquer possibilidade de entrada no meio acadêmico.

Gabriela Leite, em sua vasta militância por muitas das causas ligadas à sexualidade (passando pelas questões de gênero, trabalhistas, de saúde etc.) sempre entendeu que a mobilização se veria muito limitada caso não fossem trabalhadas questões da subjetividade. Fã de Felix Guattari e tendo sido profissional das fantasias sexuais, sempre soube que o trabalho em cima dos desejos – com que lidava em seu dia-a-dia – era algo fundamental. Sempre soube que, se não fizesse espalhar o desejo por algo a ser conquistado, por mais que se conquistasse, não haveria como manter esse algo conquistado seguro.

Foi assim que, em meio às conquistas mais “formais” de que participou, como protagonista ou coadjuvante (quebra de patentes dos remédios da Aids; formulação de políticas para tratamento de portadores do vírus HIV e de outras DSTs; distribuição de preservativos e manuais educativos para profissionais e amadores, dentre outras coisas), Gabriela veio batendo na tecla de que uma mudança de valores era a política mais importante a ser feita. E, de algum tempo para cá, começou a dizer que não gostava de ser chamada de profissional do sexo – e, sim, de puta.

“Enquanto não deixarmos de lado a hipocrisia e não assumirmos o nome de nossa profissão como uma coisa positiva, algo de que gostamos e de que muitos gostam, continuaremos sendo o maior insulto da língua portuguesa, e nossa situação não vai mudar”, disse a líder em recente diálogo.

Faço um paralelo, por exemplo, com a questão racial. Até algumas décadas atrás, a palavra “negro/a” era usada como xingamento: “seu negro”, “negra safada”, coisas do tipo. Com a assunção desta palavra com orgulho por parte da população e da militância negras, o termo pulou para o extremo oposto. Dona Ivone Lara pôde, feliz, cantar sobre o sorriso negro. Hoje, não há qualquer pejoratividade em chamar alguém de negro. Mudou-se o valor, mudou-se um pouco da percepção sobre o campo semântico da negritude. O racismo ainda existe, é fortíssimo, mas perdeu uma perna.

Volto às etimologias, para encerrar. Nei Lopes fez uma das mais importantes contribuições ao país com sua pesquisa sobre etimologias de origem africana. Mas tenho apostado por aí que, um dia, a contribuição dele vá se esbarrar com a de Gabriela. Um pouco pra frente, acho que daremos muito valor às origens africanas presentes em nossa língua, todo mundo vai poder aprender isso na escola, e acho também que as putas serão respeitadas como profissionais dignas. Quando, nesse dia, a “puta” substantivo se tornar um termo positivo, ele será facilmente confundido com o “puta” adjetivo, que já tem o valor positivo. Tendo o mesmo valor, essas etimologias vão se embolar. De onde terá vindo o termo puta? Do quicongo “mbuta”, usado para enfatizar a qualidade positiva de algo? Ou de “puta”, mesmo, que começou a ser usado como elogio há anos atrás por uma prostituta que chegou à câmara de deputados?

Não sei quando isso vai acontecer. Mas, no dia em que o uso de “puta” como elogio for difundido e irrestrito, e então pudermos confundir as duas etimologias por terem valor semelhante, certamente estaremos vivendo em um lugar melhor para as putas, para as mulheres em geral, para a população negra, e muito mais gente que, animada, vai embarcar nesse gozo e passar a gostar mais de si.

7 comentários:

Dranius disse...

Cuando se tiene una profesión que se realiza con dignidad, responsabilidad, honestidad, no tiene uno porque avergonzarse, por más que el sustantivo o el adjetivo calificativo sea impropio. En última instancia, el término peyorativo puta, proviene del concepto general de prostitución (corrupción); así tenemos que la prostitución (corrupción) es una forma particular de nuestra sociedad en donde se manifiesta de diferentes formas: corrupción del gobierno, de los diputados, senadores, comerciantes, empresarios, etc.
No importa el sustantivo o el adjetivo, Gabriela tú sigue adelante y deja que los perros ladren. Un cariñoso saludo. David

Alícia Gordinha BBW ***OFICIAL*** disse...

Sou maravilhada por vc, ja li seu livro e te acompanho a tempos, desde que te vi uma vez na Vila, onde eu trabalhava na casa da Dona Edith, e voce e o pessoal da Ong DaVida foram la. Desejo toda o sucesso e felicidade do mundo! E apoio sua candidatura com todas as forcas! Estou seguindo seu blog e esta nos meus feeds, o meu blog http://aliciagordinhadeprograma.blogspot.com

um beijao no coracao e sucesso sempre!

Unknown disse...

Parceria com Davida e Daspu

Meu nome é Lobo e sou editor da Editora Barba Negra (www.editorabarbanegra.com.br).
Gostaria de apresentar um projeto editorial para fazer uma parceria com a Davida.
Como devo proceder?

Raissa Mateus disse...

Olá.

Houve um pequeno engano da minha parte quanto a um (infeliz) comentário no twitter. Fiz duas menções desagradáveis à sua pessoa por puro prejulgamento, coisa da qual - acredite! - não costumo fazer. Acontece que o twitter é uma ferramenta pessoal, e às vezes não medimos os 140 caracteres que digitamos, falando (ou digitando) pelos cotovelos o que pensamos sobre quem quer que seja. Esquecemos, porém, que o twitter é pessoal, mas público. Usar erroneamente o nome de pessoas também públicas para prejudicá-las é, por certo, um erro crasso. O comentário que fiz (que, aliás, já foi apagado) foi um exemplo desse erro, onde acabei julgando alguém que não conheço de estar fazendo algo, da qual veracidade não conheço. Trocando em miúdos, não fez sentido algum o modo como me expressei de você.

Antes de escrever aqui, me dei tempo de ler sobre você e acabei passando a admirá-la pela coragem e determinação. No entando, isso só me deixa mais constrangida pelo que falei inicialmente. Peço aqui as minhas sinceras desculpas. Por vezes, nos empolgamos em determinado assunto, e acabamos por acrescentar detalhes irreais e mentirosos, só pra concluir direito o que se diz. Foi o meu caso, e dele me arrependo muito.

Sucesso nas eleições.

@RaissaMateus

Marcia disse...

Gabriela,
Acabei de assistir ao seu documentário e fiquei maravilhada com a sua história e a causa pela sua luta. Eu não sou prostituta mas respeito as mulheres que estão nesta profissão, seja por qualquer razão. O direito de dignidade tem que ser pra todos. Tenho uma tremenda adimiração pela sua determinação e força.
Que Deus te abençõe e te ilumine!!!
bjos,

keila disse...

oi gabriela, estou tentando muito conseguir falar com você, mas sou uma negação em questão de twiter, então vou tentar por aqui e torcer imensamente para que consiga.
Sou keila, moro em Poços de Caldas-MG meu msn e meu email é keila_carvalho.direito@hotmail.com
por favor responda. Mto obrigada.

Anna Flávia Schmitt Wyse Baranski disse...

FIZ UMA POSTAGEM SOBRE O MEU PONTO DE VISTA SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DO SEXO NO BRASIL.

htttp://adonadosenadofederal.blogspot.com

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